terça-feira, 18 de setembro de 2012

Panarás: há 20 anos.... e hoje.

Continuação da matéria da Super Interessante n. 12, ano 10, dezembro de 1996.

Em 1975, quando chegaram ao Xingu, os Panarás foram fotografados para o arquivo da Escola Paulista de Medicina. Vinte anos depois, conversaram com a SUPER.


O PEQUENO GIGANTE

Akè Panará, 55 anos, é um estadista. Um Winston Churchill Panará. Quando seu povo perambulava pelo Xingu, dizimado e humilhado, Akè ajudou-o a reencontrar o orgulho. Foi uma bela volta por cima: afinal, nenhuma das dezesseis tribos do Parque teve peito para lutar pelo território original e voltar. Só os Panarás. Akè só tem 1,68 metros de altura, mas enxerga alto. Virou chefe em 1982 porque era inteligente, capaz de fazer bons discursos rituais e hábil para lidar com os brancos. Além disso - e de mais seis filhos, sete netos e três casamentos - é um grande gozador. Em Brasília, assistiu, na casa de Schwartzman, ao filme Dança com lobos, de Kevin Costner. "Gostei, mesmo, foi daqueles índios de cabelo punk" (os Pawnees), diz. "Nossa, que índio brabo! Os índios americanos são muito brabos." Akè ficou muito brabo em 1991, quando reviu o Peixoto de Azevedo destruído pelo garimpo: "Os brancos comeram minha terra. Queimaram a mata e estragaram a água. Me deu uma raiva muito grande. Bando de ladrões".


O AMIGO DO RONALD REAGAN

Sôkriti Panará tem 53 anos. Uma vez foi a Brasília levar  mulher e a filhinha, com pneumonia grave, para o Hospital de Base. Ficou semanas no hospital lotado, sob luz artificial, sem falar português, sem arredar do lado da menina. Um dia, recebeu a visita de um antropólogo. Foi uma grande alegria ver uma cara conhecida. Conversaram um pouco e o antropólogo saiu, a seu pedido, para comprar bananas. Mas Sôkriti também queria sair. Tinha vontade de perambular, como os guerreiros fazem, pelo mato. Saiu, viu muita gente na rua, andou, andou. Viu uma avião passando e resolveu ver de perto. Andou muito. De noite, dormiu num ponto de ônibus. No outro dia, andou mais, saiu da cidade, achou uma mangabeira, um pé de pequi, água e alimentou-se. O antropólogo já estava em pânico mas, enquanto isso, Sôkriti andava até chegar ao aeroporto. Ficou olhando os aviões, imensos. Pulou uma cerca, chegou mais perto e foi preso pelos soldados que faziam a segurança da visita a Brasília do presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, naquele dia, 30 de novembro de 1982. Levaram-no para o quartel. Devem ter gostado muito dele, porque lhe deram um tênis Kichute, um calção e uam carona de volta.

OS HOMENS DÃO MEDO

Krikati teve seis filhos. Quatro morreram. O mais velho tombou nas mãos dos Kayapós em 1967, na última batalha entre as duas tribos. Seus três maridos também morreram. "Eu gostava mais do primeiro, Periyi, que os Txucarramãe também mataram. Ele era bonito e muuuuuito alto".
Em 1975, quando chegou ao Xingu, veio com o filho Possuã.
Em 1996, a SUPER encontrou-a com uma das seis netas.
Krikati viu cidade só uma vez, São Felix do Araguaia, e não gostou nada. "Tem muito carro e muita gente. Gente demais". Antes, só havia feito uma viagem, para o Xingu, quando seu povo foi transferido. "Eu vim no segundo avião. Nós entramos e ficamos nos segurando, firmes. Tapei a cara com a mão e fiquei com medo de olhar para baixo. A gente chorava de medo. Quando chegamos, não entendi nada. Os Txucarramães e o chefe deles, o Raoni, nossos inimigos, estavam lá, nos esperando. Muito estranho".
O mundo é confuso. Não há dúvida. Mas, para Krikati, as mulheres são sábias. "Branco, Panará, é tudo igual: os homens dão medo. As mulheres é que são normais. Elas pensam mais".



COQUETEL DE GASOLINA

Kreton Panará, de 43 anos, é um caso à parte. É o adulto que melhor fala português. Sempre foi curioso e arrojado. Em 1978, resolveu virar pajé para curar doenças. Decidido, bebeu um coquetel de gasolina e mertiolate - para descobrir o segredo do poder dos brancos. Acabou no posto Diauarum com uma intoxicação violenta.
No Xingu, os pajés fumam fumo de corda, engolem fumaça e entram em transe. Viajam para baixo da terra, onde está a aldeia dos mortos, e descobrem o 'feitiço' responsável pela doença - que pode ser uma escama de peixe, um dente de macaco ou uma pedra. Aí, 'extraem' o feitiço do doente e, pronto, a doença está está curada. Kreton virou pajé famoso e chegou a ganhar bem fazendo curas em outras tribos.
Mas, para boa parte do seu povo, ele é um sujeito ardiloso, ambicioso e trambiqueiro, com apetite demais pelos bens dos brancos. E que sempre criou confusão. A maior foi em 1983, quando passou um período bígamo, casado com Sekiukiú e Kôterti. O costume, abandonado pelos Panarás no passado, só é tolerável quando as mulheres forem irmãs - pois aí, acredita-se, elas não brigam. Só que elas não eram. Foi um escândalo, mas durou pouco: as moças o dispensaram.

QUATRO MARIDOS DESINTERESSANTES

Yokré, de 45 anos, teve quatro maridos, sete filhos e três netos. Três filhos morreram. "O primeiro marido foi Soakien, mas eu não gostava. Ele morreu no Peixoto, de doença no peito, antes do Cláudio (Villas Boas) chegar". Depois, casou-se com Sikiapayu, mas "separei logo, porque não dava certo". Aí, veio Pêinsi, que "era mau marido, caçava pouco". O quarto, Seakèri, cometeu um erro grave: bateu nela. Yokré atacou-o com bordunadas na cabeça, conta-se, numa cena dantesca. Por isso ganhou o apelido de porisa, 'polícia'. Não deu sorte com os homens.
Hoje, espera, pacificamente, na aldeia do Xingu, a mudança para Nacypotire. "Meu filho e meu irmão já estão lá. Aqui tem formiga brava e a terra é cheia de raízes. Na roça, arranham a mão da gente. Lá é melhor". Sobre os brancos, Yokré é taxativa sobre o que aprendeu: 'Todo cuidado é pouco".


Para saber mais:

The Panará of the Xingu National Park, Stephan Schwartzman, Tese de Doutorado de Antropologia, Universidade de Chicago, 1987.
A Marcha para Oeste, Orlando e Cláudio Villas Boas, Globo, São Paulo, 1994.
Linguas Brasileiras, Aryon Dall'Igna Rodrigues, Loyola, São Paulo, 1994.
O Brasil Grande e os índios Gigantes, Aurélio Michiles, vídeo, em cores, 47 min., Instituto Socioambiental, São Paulo, 1995.
The Tribe that Hides from Man, Adrian Cowell, vídeo, em core, 78 min., BBC TV, Londres, 1973.

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