domingo, 21 de outubro de 2012

Como funciona uma escola indígena?

Matéria publicada no ZH Escola, Porto Alegre, segunda feira, 13 de janeiro de 2003, nº 47

Silvana de Castro
Casa Zero Hora / Missões



Há aulas de português, matemática, ciências, estudos sociais mas, fundamentalmente, de valorização da própria cultura, a estrutura ainda é convencional, mas a intenção é adaptá-la às crianças e não ao contrário, como caracterizou a educação indígena até aqui.

Enquanto escreve no quadro um texto em português sobre a história de Rita Magrela, o professor de uma escola indígena da Reserva da Guarita, em Redentora, é interrompido por uma voz quase inaudível. É uma aluna da 4ª série. Ele, já acostumado com a timidez, se agacha para ouvi-la. A menina queria um lápis, conforme sussurrou no seu ouvido, em meio ao silêncio da turma.
Na Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Toldo Campinas, é raro ver professores chamando a atenção das crianças. Os alunos quase não fazem perguntas também.
- Eles são sempre tímidos. Tenho de perguntar de classe em classe se entenderam - explica o professor de português, matemática e estudos sociais Elvis Ribeiro, 22 anos, também indígena.
A leitura coletiva e em voz alta de frases, comuns no Ensino Fundamental, precisa ser repetida mais de uma vez pelo professor. Com a presença de estranhos, os alunos emudecem mais ainda, a não ser que a aula seja de caingangue, língua materna da maioria dos moradores da área indígena. Como se falassem em código, as crianças se transformam e, visivelmente à vontade, se tornam brincalhonas e participativas. Dão risada e fazem perguntas à professora Tatiana Emílio, que, às vezes, precisa pedir silêncio. Respondem as questões que copiaram do quadro em seus cadernos, em caingangue, e vão até Tatiana para conferir se a lição está correta.
Com os pés quase sempre descalços ou com chinelo de dedo, as crianças bem antes do início da aula estão rondando o colégio. A chuva, apesar do barro que se forma no acesso à escola, não é motivo para a ausência. O vínculo criado com o estabelecimento é forte. Nos cinco anos em que a diretora Dalva Gonzatto está na Toldo Campinas, viu apenas três crianças chorarem quando tiveram  o primeiro contato com a classe.

NÚMEROS:
No Rio Grande do Sul, há 39 escolas dentro de Terras Indígenas, todos de Ensino Fundamental, onde estudam 4.500 alunos, com predominância de caingangues. Somente em três áreas - Cacique Doble, Votouro e Guarita - há estabelecimentos de ensino a guaranis.

O tema no Fórum Mundial de Educação:

 A educação indígena é tema de uma das oficinas programadas para o primeiro dia de atividades do Fórum Mundial de Educação, que será aberto no próximo domingo, em Porto Alegre. Destaques da programação, principalmente convidados e um pouco das idéias que serão discutidas durante as conferências do evento estão na página 5 desta edição.
Em tese os primeiros alunos do Brasil, graças ao movimento missioneiro dos jesuítas em terras recém - conhecidas, os índios estão há bem pouco tempo começando a se apropriar de sua escola. Essa é a perspectiva que deve nortear os debates sobre Educação Indígena, conforme Maria Aparecida Bergamaschi, doutoranda em projeto de pesquisa sobre educação escolar indígena e professora de história da educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul: entender a escola indígena não como uma instituição DE índios, mas PARA índios.
Legalmente, há apenas 10 anos a secretarias de educação passaram a ter ingerência sobre essas escolas. No Estado, um pouco antes: em meados da década de 80 já havia iniciativas nesse sentido. O tema é ainda mais recente como foco de estudos acadêmicos, e a inclusão dele num evento como o Fórum Mundial confirma a urgência e a necessidade de envolver toda a sociedade nisso.

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