domingo, 21 de outubro de 2012

Qualificação do professor é um desafio

Matéria publicada na ZH Escola, segunda feira, 13 de janeiro de 2003, p. 4

Silvana de Castro
Casa ZH / Missões


Ocorreu em 2002 o primeiro concurso público para educadores que necessariamente devem ser índios e dominar a língua -  mãe do grupo.

De acordo com a responsável pelo Setor de Educação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Iara Maria Martins Alvarez, as crianças indígenas são mais dóceis e calmas na escola por questões culturais.
- Os índios dão muito valor às crianças e aos velhos, o respeito é grande. Dificilmente se vê uma criança indígena ser repreendida ou levar palmadas. Isso reflete em seu comportamento na sala de aula e no convívio social.
Aparentemente, não fosse os olhos puxados, o jeito desconfiado dos alunos e as aulas de caingangue e cultura indígena, a escola é como as de fora da aldeia, com português, matemática, estudos sociais, geografia e educação física.
No futuro, todas as aulas deverão ser ministradas em caingangue, só por professores índios, como forma de conservação da visão de mundo indígena, conforme a responsável pelo Setor de Educação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Iara Maria Martins Alvarez.
Para que o idioma permeie as disciplinas, é preciso resolver um problema antigo: qualificar o professor que conhece a língua caingangue, mas que muitas vezes não tem o Magistério, e ensiná-la àquele professor indígena qualificado, mas desconhecedor da língua - mãe.
Com esse objetivo, está sendo desenvolvido desde o ano passado o projeto Vãfy, que corresponde a um Magistério em nível de Ensino Médio. Com duração de cinco anos, o projeto conta com a participação de docentes especializados em cultura indígena da Unijuí e da Universidade de Passo Fundo.
- A língua é o maior símbolo cultural. Não deve ser utilizada como apoio na tradução de uma língua para outra simplesmente. O ensino do caingangue nas escolas indígenas tem um significado muito maior do que o ensino de uma segunda língua. É o ensino e a preservação de suas crenças, seus mitos, rituais e forma de ver o mundo - diz Iara.
O aprendizado indígena sai prejudicado com a falta de formação de professores. Segundo Iara, contribui também com as dificuldades na sala de aula a inexistência de material didático e pedagógico direcionado aos estudantes indígenas.  

FALTA DE MATERIAL DIDÁTICO E PEDAGÓGICO DIRECIONADO DIFICULTA TRABALHO EM AULA

Pouco questionamento nas aulas

Os alunos de Elvis Ribeiro, 22 anos, não têm o costume de expor dúvidas e apresentam dificuldades ao interpretar textos. Para ele, o pouco interesse dos pais pelo aprendizado dos filhos é um dos motivos para o rendimento apresentado. O capitão da aldeia Estiva, na Reserva da Guarita, em Redentora, onde a escola está localizada, Antonio Sales, 47 anos, concorda com o professor.
- As crianças só estudam quando estão no colégio. Em casa, os mais velhos trabalham na lavoura e os mais novos cuidam dos irmãos menores. Os pais não incentivam o estudo dos filhos.
Na sala em frente a de Ribeiro, enquanto os alunos terminam o trabalho sobre os meios de transportes dos indígenas, o professor Lairton Cipriano, também estudante de Sociologia, cobrava maior participação das crianças.
- A maioria dos alunos não interpreta as coisas, só aceita tudo, não questiona. É decorrência do processo de dominação. Quero mudar isso - diz Cipriano.
Um dos mais desinibidos estudantes e adiantado, Vanderlei Camilo, 10 anos, é participativo e daqueles conhecidos como o animador da turma.
- Gosto de estudar matemática, escrever sobre os transportes - conta o menino, que frequentemente viaja com os pais para vender artesanato.

A ESCOLA INDÍGENA:

* Historicamente, a concepção de escola indígena que se tem é a de um lugar que prepara os índios para a sociedade branca e ocidental - do que se pressupõe que eles são inadequados e precisam ser integrados.

* A integração é necessária, essa idéia não foi abandonada, mas está sendo remodelada. Deve estar baseada no respeito à cultura indígena. Caso contrário, a inclusão pretendida (a que precisava adequar o índio aos modos e modelos brancos) na verdade excluía.

* Atualmente, se trabalha para que a educação indígena se volte para eles, para a cultura dos índios, numa escola coordenada por eles mesmos. Daí a necessidade de que os professores sejam índios e da obrigatoriedade do ensino bilíngue. O primeiro concurso para professores indígenas foi realizado no ano passado. Para ser professor, precisa ser índio e saber a língua - mãe.

* Nos anos 70 e 80, universidades, Ongs e setores da Igreja começaram uma movimentação de reconhecimento da cultura indígena. Essa ação só agora, início de século 21, começa a se refletir nas salas de aula de aldeias. Incipientes ainda, as mudanças não estão definidas, há apontamentos. Nem mesmo os índios sabem exatamente como tem de ser a sua escola, mas o espírito é esse: ela tem de ser deles.

* A estrutura e o funcionamento da escola estão mudando. Entre as práticas que foram incorporadas, o ensino bilíngue e a força dos valores e da cultura indígena nos conteúdos. A troca do nome da escola, atitude que parece singela, foi importante: de nomes de brancos que não dizem nada sobre a história deles para a de índios que representam a história do povo.

* A lei garante inclusive que escolas indígenas se diferenciam entre si, adequando-se a cada grupo que serve, porque generalizar sob o termo índios é apagar diferenças profundas que, no caso do Rio Grande do Sul, se dão ente guaranis e caingangues.

* A maioria das escolas é seriada, indo até a 4ª série do Ensino Fundamental. Aqueles alunos que desejam continuar os estudos, precisam buscar vagas em outras escolas.

* Os grupos indígenas estão baseados essencialmente em relações comunitárias. Isso se reflete na escola, que, em geral, se transforma nu lugar bastante respeitado e do qual participam todos (principalmente entre os caingangues)

Fonte: Maria Aparecida Bergamaschi, doutoranda  em projeto de pesquisa sobre educação escolar indígena e professora de história da educação da Faculdade de Educação da Universidade  Federal do Rio Grande do Sul.

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